A cada sete anos, a
Lei deveria ser lida integralmente a todo o povo: homens, mulheres,
crianças e estrangeiros, nas cidades onde habitavam, deveriam ouvir
e aprender a temer o Senhor seu Deus e seguir fielmente todas as
palavras da Lei (Cf. Deuteronómio 31:10-13). Contudo,
passadas décadas de cativeiro, o cumprimento dessa valiosa cerimónia
tinha ficado para trás. Agora estavam de volta a Jerusalém, e os
muros da cidade que simbolizava a aliança estabelecida por Deus,
reconstruídos. Então, no início do sétimo mês, é o próprio
povo que reconhece a pungente falta, pelo que toma a iniciativa de se
congregar e de requerer a Esdras que leia o livro da Lei. Este
momento, um dos mais emotivos na história do povo de Deus, está
relatado no oitavo capítulo de Neemias.
Certamente, este
anseio de ouvir a Palavra de Deus era motivado, também, pela
impossibilidade de lê-la individualmente. Mas essa não terá sido a
única razão. Vejamos. Hoje temos acesso à Palavra de Deus escrita
como nunca antes, em todos os formatos e para todos os gostos. No
entanto, parece nunca ter existido tão pouco interesse espiritual
genuíno pela Palavra de Deus. Em muitos círculos, ela está
reduzida a somente mais um livro, com algumas ideias interessantes,
mas com muitos erros e sem grande relevância prática. Cada vez
menos, a Palavra de Deus é lida como alimento, luz, instrução,
orientação, correção; como a revelação de Deus. De acordo com
um estudo realizado em 2012 pela LifeWay, somente 20% dos
frequentadores das igrejas evangélicas afirmam ler a Bíblia todos
os dias. Nos dias de Neemias, contudo, o povo sentiu fome da Palavra
ao ponto de ficar de pé durante seis horas a ouvir a sua leitura e
explicação, sempre com “ouvidos bem atentos”. Teremos
nós de sofrer dura repreensão de Deus, passando por cativeiro, para
nos apegarmos novamente à leitura e estudo da Palavra?
No seguimento do texto
de Neemias, lemos que à medida que os líderes liam, também davam
explicações sobre o texto. Além da Palavra ter sido lida com toda
a clareza, era necessário explicar o seu sentido. Era necessário
que o povo não só a ouvisse, mas que a entendesse. Não nos basta
ler e conhecer a Bíblia. Precisamos compreendê-la, meditar nela,
estudá-la com afinco, refletir sobre as suas implicações e
aplicações. Para isso, é necessário não só o tempo individual
de leitura e estudo, mas também todas as
oportunidades de leitura e estudo em grupo sob a orientação de
servos idóneos, capacitados por Deus com o dom do ensino.
Percebemos que o povo
compreendeu claramente o sentido da Lei que estava a ser lida quando
os líderes tiveram de pedir que não chorasse mais. A profunda
comoção de ouvir as palavras do seu Deus verteu em lágrimas.
Lágrimas de arrependimento: imaginemos como se terão sentido, por
exemplo, ao ouvir o texto de Deuteronómio, em que Deus coloca
perante o povo a escolha entre a bênção e a maldição
(Deuteronómio 30:19-20); que pensamentos, ao perceber a destruição
e o sofrimento que haviam caído sobre eles, simplesmente por não
terem obedecido. Mas, também, lágrimas de alegria pelo perdão e
pela restauração que Deus já havia trazido sobre eles. Aliás, é
neste sentido que se percebe a admoestação: “Não chorem mais.
Vão festejar! Comam, bebam e partilhem com quem não tem. Este dia é
consagrado ao Senhor.”
Finalmente, lemos
acerca de uma segunda aproximação ao livro da Lei, no dia seguinte,
por parte dos chefes das famílias. Voltaram a Esdras e atentaram
novamente para o texto bíblico, essencialmente para fazerem uma
aplicação prática do que havia sido lido. A Lei havia sido lida,
compreendida e agora deveria ser aplicada. Neste caso, era tempo de
recordar a travessia do povo pelo deserto, assim como o cuidado e
provisão de Deus durante esse período de tempo. Nunca, desde os
tempos de Josué, a celebração da Festa dos Tabernáculos tivera
tal intensidade e abrangência.
A nós também, não
nos basta ler a Bíblia e compreendê-la. Há que aplicá-la, cumprir
o que ela diz. A reverência que Deus pede de nós em relação à
Palavra é a nossa obediência completa ao seu conteúdo: “Sede
cumpridores da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a nós
mesmos.” (Tiago 1:21) Enganamo-nos, ao julgar que o pouco que
sabemos e as ideias vagas que temos acerca do que a Bíblia diz é
suficiente; enganamo-nos com discursos e racionalizações vãs;
sentimo-nos imunes ao mal e acima de qualquer necessidade de submeter
a nossa vida a uma efetiva obediência prática à Palavra de Deus.
Que através da
leitura, compreensão e aplicação quotidiana da Palavra de Deus,
possamos, de facto, dizer que ela é o alimento para a nossa alma e a
luz para o nosso caminho.