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Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva - I Timóteo 2:13


"Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão." I Timóteo 2:13-14

Não é possível conhecer o real sentido e significado dos textos bíblicos sem conhecer o contexto em que foram escritos, as razões da sua escrita e as finalidades originais da sua produção. Esta não é uma tarefa fácil, na medida em que nem sempre existem elementos suficientes, quer dentro do próprio texto, quer fora, que deem informações relevantes, válidas e úteis para descortinar essas circunstâncias. Mesmo quando temos acesso a informações sobre o contexto em que foram produzidos, nem sempre será fácil a tarefa de apurar as motivações originais dos escritores. Mas, apesar de todas as limitações, o trabalho de investigação quanto ao contexto literário, cultural e social dos escritos originais é de suma importância, não só para os compreender, mas para, em última instância, os aplicar. Sem esse trabalho, corremos o sério risco de incorrer em aplicações de regras, mandamentos e preceitos cuja essência e abrangência que não eram, de todo, as pretendidas aquando da produção do texto em referência.

Em cada texto bíblico, cremos estar perante dois contribuintes fundamentais: o escritor e o Autor. Cremos que Deus, na qualidade de Autor, inspirou e usou homens como escritores do registo bíblico. Assim, entendemos que, apesar de serem textos contextualizados no tempo, no espaço e cultura, contêm princípios e valores eternos, que vão muito para além do alcance percebido pelo escritor. São esses princípios e valores que são de aplicação universal - a todos os tempos e a todas as culturas. Então, à investigação acima referida compete a tarefa de "despir" o texto da sua roupagem cultural e identificar os conteúdos eternos, universais e sobrenaturais que lá se encontram. Não ter este cuidado irá redundar em aplicações atuais que mais não são do que decalques desajustados, atabalhoados e redutores da  própria vontade divina.

Uma dificuldade acrescida neste trabalho de investigação bíblica é o facto de que ninguém se aproxima do texto com absoluta isenção e objetividade. Todos nós temos alguns pressupostos, algumas ideias pré-concebidas, que, em alguma medida, vão condicionar e criar algum enviesamento não só à interpretação, como também à aplicação do mesmo. Um antidoto possível para esta tendência tem uma dupla dimensão. Por um lado, é necessária uma atitude de investigação dinâmica e, por outro lado, é também útil aceitar que a mesma seja dialogante. Dinâmica no sentido em que nunca deve acomodar-se às conclusões a que chega, mas deve manter uma constante análise e questionamento do texto, dos seus contextos e das próprias conclusões a que se chegou, atendendo à nossa natureza falha e limitada. Dialogante porque não devemos fazê-lo sem ser em comunidade, com construção partilhada de conhecimento, de modo a desafiarmos e sermos desafiados a melhorar. Ainda assim, que o Senhor tenha misericórdia de nós e, como dizia o salmista, que nos desvende os olhos, para vermos as maravilhas da Sua Lei.


Mulheres

Um dos temas mais debatidos, do ponto de vista da interpretação bíblica e consequente aplicação à vida da igreja é o do papel das mulheres na vida da igreja (e não só). Encontramos variadíssimas sensibilidades e posições nesta área, as quais vão desde a aplicação literal e textual de tudo o que se encontra registado na Bíblia (como o uso de véu, a proibição do ensino, a imposição do silêncio, a sujeição unilateral, etc) até a um absoluto descarte de todo o texto bíblico que se refira à mulher (alegando a desatualização e descontextualização atual do texto bíblico). Na minha maneira de ver, nenhuma destas posições faz justiça ao texto bíblico, na medida em que revelam uma completa inexistência do tal trabalho de investigação e estudo do mesmo. Não me parece que resida qualquer virtude ou mérito quer nas posições tradicionalistas, autointituladas de conservadoras, que elevam as tradições e hábitos da igreja ao mesmo patamar de autoridade das Escrituras (e acima delas), quer nas tendências progressistas liberais que colocam as Escritura completamente de lado, sob o pretexto de desatualização das mesmas.

No que diz respeito à mulher, quer no contexto da família, da sociedade em geral e da igreja, são inúmeros os fatores que condicionaram, ao longo de toda a História da Humanidade, o seu lugar e papel. Desde condicionalismos biológicos (força física, gestação, maternidade, vulnerabilidade física resultante da função reprodutora), às limitações sociais (prevalência masculina, desvalorização genealógica, vedadas ao direito de possuir bens, desconsideração generalizada), passando por condicionantes educacionais (inacessibilidade à escolaridade e ao conhecimento) e muitos outros, muito têm moldado a forma como a mulher é vista e condicionado a definição do papel que se lhe pretende atribuir. Os momentos de escrita do texto bíblico não estão imunes a este turbilhão de forças e pressões sociais. Assim, como facilmente se percebe, é natural que os escritores bíblicos, ainda que inspirados por Deus, tenham sido influenciados pelo contexto da sua época, na abordagem que fazem de assuntos relacionados com as mulheres. Aliás, esta tendência do escritor bíblico permitir que a sua cultura e contexto tenham, pelo menos, alguma influência sobre a sua escrita fica evidente, por exemplo, quando comparamos a forma como pessoas diferentes escreveram. Se compararmos a escrita de Amós (cuidador de gado) com a de David (poeta, guerreiro e Rei), vamos encontrar enormes diferenças, por exemplo, no vocabulário, no modo de escrita e, como é natural, nos próprios temas abordados. Se compararmos os escritos de Pedro (pescador), ainda que auxiliado por um amanuense, com os de Paulo (estudioso das Escrituras, erudito), também encontramos distinções. Aliás, o próprio Pedro chega a comentar a dificuldade que tinha em compreender alguns dos escritos de Paulo, apesar de ser seu contemporâneo (II Pedro 3:16). Não podemos, portanto, ignorar que o que foi escrito, apesar da inspiração divina, contém elementos identificadores do próprio escritor, bem como do seu contexto de vida.


Igrejas

Um dos elementos que não podemos ignorar, em relação aos escritos de Paulo é que ele dirige-se primariamente a igrejas específicas, igreja reais, com problemas reais. E, na maior parte dos casos, a sua preocupação de escrita é corrigir ou retificar erros doutrinários e práticas indevidas em que as referidas igrejas estavam a incorrer. Paulo é considerado o doutrinador da Igreja, por excelência, não só por causa da quantidade de registo que produziu e que chegou até nós, mas pela forma como se dirige a várias dificuldades da vida das igrejas que têm feito eco, ao longo dos tempos, em toda a vida da igreja Cristã. Ainda assim, não podemos perder de vista que, frequentemente, ele prescreve procedimentos e formas de agir que precisam ser entendidos no seu enquadramento original e que pretendiam lidar com problemas específicos das igrejas às quais se dirige. Essas instâncias das suas cartas contêm, ainda assim, elementos de aplicação universal, mesclados, no entanto, com diversos elementos de aplicação prática circunscrita à situação original

Paulo dirige-se a igrejas que se debatiam com problemas de imoralidade, quer dentro das suas próprias fileiras, quer relativamente ao ambiente em que viviam, como é o caso da igreja em Corinto. Outras, estavam a ceder à pressão dos judaizantes, como é o caso das da Galácia. Outras tinham perdido a noção das suas responsabilidades da vivência diária, como a do simples trabalho, tendo alguns deixado a sua ocupação diária, para esperar pelo regresso de Jesus. E por aí adiante. Identificar estes problemas não serve para descartarmos aquilo que Paulo lhes escreve. Em vez disso, ajuda-nos a compreender por que razão o fez. E, percebendo isso, podemos fazer aplicações mais ajustadas e relevantes, às nossas circunstâncias atuais.


Contexto

Não podemos perder de vista, portanto, que muito do que Paulo escreve não é mera prescrição de comportamento ou procedimentos, mas também é descrição de comportamentos, de hábitos e de contexto. Ou seja, se elementos do contexto, quer de Paulo, quer das igrejas a quem se dirige, estão presentes na sua escrita, então ele não está somente a dizer como as coisas devem ser, mas está também, em certa medida, a descrever como são (eram, na sua época). Paulo escreve e prescreve, para o seu contexto, para aquilo que vê e conhece, ainda que inspirado por Deus. Um exemplo claro deste facto são as suas prescrições relativas à escravatura. Paulo recomenda sujeição, aos servos, e benevolência, aos senhores, mas não defende a abolição da escravatura, o que poderia facilmente fazer baseado nos valores divinos da própria Criação. Ou seja, o seu contexto cultural teve peso naquilo que escreveu, mesmo tendo sido inspirado por Deus. Apesar disso, as suas orientações já são inovadoras e, até se pode dizer, revolucionárias para a época! Em relação ao tema da escravatura, apressamo-nos logo a fazer a transposição para o nosso tempo, no sentido em que os "servos" serão os atuais "trabalhadores" e os "senhores" serão os atuais "patrões". Embora este exercício não seja assim tão "líquido", porque já no tempo de Paulo existiam trabalhadores e patrões e não é sobre eles que Paulo está a falar, serve de exemplo para o que precisamos fazer em relação a outros assuntos sobre os quais escreve.

No caso das mulheres, é importante percebermos que o que Paulo prescreve é, em grande medida, determinado pelo que ele vê e conhece (como no caso da escravatura). Ou seja, as orientações de Paulo são para mulheres que ele vê e conhece: 

    1) Desconsideradas pela sociedade;

    2) Sem acesso à escolaridade, sem saberem ler nem escrever, nem acesso à informação;

    3) Destinadas a casar na sua adolescência, com homens mais velhos, sem que a sua opinião, gosto, desejo ou vontade tenham tido qualquer papel no processo;

    4) Sem direito à propriedade; 

    5) Condicionadas pela vulnerabilidade física da função reprodutora, as sucessivas gravidezes e os limitados cuidados de higiene, etc.

Quando estas mulheres casavam, entravam num relacionamento desigual, assimétrico, paternalista e altamente dependente. É neste contexto que Paulo dá orientações. Aqui também se pode dizer que, apesar do que podem parecer aos olhos do leitor do século XIX, as suas orientações já são muito inovadoras e revolucionárias para a época de escrita, no sentido da reciprocidade e mutualidade. Mas, não deixam de estar condicionadas por essa mesma época.

Será que algumas instruções paulinas relativas à mulher eram específicas para problemas concretos com os quais algumas igrejas da sua época se debatiam e, por esse motivo, não devem ter uma aplicação universal atual? Será que algumas circunstâncias da sua cultura condicionaram certos pontos da sua escrita ao ponto de não se aplicarem hoje, uma vez que essas mesmas circunstâncias já não se verificam? Creio que sim. Em alguns textos, parece mais fácil identificar essas situações, como por exemplo a recomendação de que as mulheres usassem véu. Noutros textos, parece mais difícil chegar a essa motivação original, de modo a compreender se se encontra indexada a alguma elemento contextual daquela igreja, naquele tempo e lugar.


I Timóteo 2:11-15

O texto de I Timóteo 2:11-15 - "A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o homem, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação." parece ser um dos mais discutidos, no sentido de se perceber se estas são instruções universais ou circunscritas àquele contexto. Por um lado, alguns argumentam que estas foram instruções específicas para a igreja de Éfeso, na medida em que deveria estar a acontecer algum tipo de problema com as mulheres que ensinavam e assumiam uma posição de autoridade (abusiva) sobre os homens. Outros defendem que o facto de Paulo fazer referência ao registo da Criação, nomeadamente à ordem da Criação (antes da Queda), estabelece uma universalidade absoluta da sua aplicação.

Será que a referência à ordem da Criação impõe, de facto, uma aplicabilidade universal das proibições que Paulo regista? Será possível que ele tenha usado esse episódio como forma de ilustrar o próprio problema que a igreja estava a passar? Será que o comportamento e ensino das mulheres de Éfeso, naquela circunstância específica, não foi o que levou a uma comparação com o comportamento de Eva? Será que o conteúdo do ensino delas contrariava o registo de Génesis, de tal forma, que Paulo teve que recorrer ao mesmo, para silenciar essa heresia? Será que daí resultaria, necessariamente que as mulheres nunca ensinassem na igreja? Ou podemos considerar a possibilidade de Paulo estar a combater uma heresia específica e concreta, bem como a sua propagação, mais do que a prescrever que este ou aquele género não exercesse determinado ministério na igreja?

Não é fácil chegar a respostas definitivas e claras sobre as questões acima enunciadas. No entanto, assiste-nos a responsabilidade de investigar o máximo possível, quer no texto, quer no contexto, para procurar perceber se alguns elementos poderão lançar alguma luz sobre esta questão. Não é de excluir a hipótese, por exemplo, de que o contexto religioso e filosófico em que se encontrava a igreja de Éfeso tenha tido um papel preponderante sobre aquilo que Paulo escreve a Timóteo. Sem dúvida que as preocupações de Paulo relativamente à pureza do Evangelho estão presentes sempre que escreve as suas cartas, como fica absolutamente claro, por exemplo, na carta aos Gálatas. Em todas as suas cartas, ainda que mais numas do que nas outras, percebe-se que Paulo tem consciência de que as pessoas que compõem as igrejas não são "tábuas rasas" ou "telas em branco", nas quais o Evangelho vai ser escrito. Todas elas trazem e são permeáveis a ideias, conceitos, teorias, filosofias, passados religiosos, bagagem social, comportamentos contrários à vontade de Deus, etc. Grande parte do seu trabalho de escrita é combater o impacto e influência que estes fatores tinham sobre as igrejas e até sobre o próprio Evangelho.

Gnosticismo

Um dos elementos que caracterizou a vida religiosa e filosófica do primeiro e segundo séculos do cristianismo foi a corrente de pensamento que viria, mais tarde, a ser identificada como gnosticismo. O termo "gnosticismo" não figura nem nos escritos do Novo Testamento, nem em documentos considerados gnósticos daquela mesma época, tendo sido "cunhado por Henry More (séc. XVII) num comentário sobre as Sete Igrejas do Apocalipse, gnosticisme foi o neologismo escolhido por More para descrever a heresia tiatirense (Apocalipse 2:18–29)"[1] O termo "gnosticismo" foi definido pelos estudiosos modernos para descrever um conjunto de crenças religiosas e filosóficas que floresceram principalmente no Mediterrâneo oriental, no período helenístico e no início do cristianismo. More usou o termo para descrever certas correntes de pensamento que ele via como heréticas em relação ao cristianismo ortodoxo da época. No entanto, é importante notar que o termo "gnosticismo" é uma construção moderna e não era usado pelos próprios adeptos dessas tradições na antiguidade.

O termo não identifica uma corrente de pensamento religioso e filosófico homogénea ou claramente definida, pelo menos antes do segundo século depois de Cristo, mas um conjunto de variantes e correntes que tinham como fio condutor comum a defesa do conhecimento (gnose) como o elemento salvífico e mais necessário para a humanidade. Devido à quantidade de variantes e falta de clareza na definição do gnosticismo antes do segundo século, alguns estudiosos referem que Paulo e os discípulos do primeiro século tiveram que confrontar aquilo que se pode identificar como proto-gnosticismo. É interessante reparar que os livros do Novo Testamento que têm mais referências diretas e claras contra esta doutrina são precisamente os mais tardios (ex: carta de Paulo a Timóteo e os escritos de João), precisamente quando a corrente gnóstica ganhava mais consistência. Diversas passagens de João são escritas exatamente para combater diretamente alguns dos ensinos gnósticos que entravam em contradição com o cristianismo. Nos escritos de Paulo, também encontramos diversas referências que se destinavam a combater o gnosticismo. Além disso, o estudo desta corrente religiosa e filosófica recebeu um novo impulso com a descoberta da biblioteca Nag Hammadi, em 1945[2], contendo diversos livros, textos e evangelhos apócrifos.


Doutrinas gnósticas

O gnosticismo é um sistema religioso politeísta. Deus dividiu-se numa multiplicidade hierárquica de entidades espirituais ou éons, entre os quais permaneceu Deus o Pai (o Éon perfeito), um inferior, imperfeito que viria a ser chamado de Demiurgo (artesão ou criador), identificado como o Deus Jeová, entre outros como, por exemplo, a emanação feminina Sofia. Esta teria sido a responsável por emanar a consciência imperfeita que viria a ser identificada como o Demiurgo. O Demiurgo teria transmitido alguma essência de divindade à criação (Adão e Eva), a "centelha divina", ainda que apagada e aprisionada pelo mundo material de natureza má e corrupta.[3]

O mundo é visto como imperfeito, porque assim o é desde a criação defeituosa, a qual foi realizada pela deidade imperfeita - o éon Demiurgo. Daqui resulta que tudo o que é material, carne, palpável, físico é visto como negativo e aprisionador do Homem.[4]

Na cosmologia gnóstica, que abrange uma variedade de crenças e sistemas religiosos antigos, a ordem da criação geralmente difere das perspectivas religiosas convencionais. A cosmologia gnóstica geralmente postula uma dualidade fundamental entre uma divindade suprema e transcendente (frequentemente chamada de Mónada ou o Verdadeiro Deus) e um criador inferior e falho, conhecido como Demiurgo. O Demiurgo é frequentemente retratado como ignorante ou malévolo, responsável por criar o mundo material, que é visto como imperfeito e uma fonte de aprisionamento espiritual. A ordem geral da criação de acordo com a cosmologia gnóstica pode ser delineada da seguinte forma:

- A Mónada: Esta é a divindade suprema, insondável, da qual toda a existência emana. É puro, transcendente e além da compreensão.

- Éons: Em muitos sistemas gnósticos, emanações ou aspectos do divino emanam da Mónada em pares ou grupos chamados Éons. Esses Éons representam várias qualidades ou atributos divinos.

- Sofia (Sabedoria): Em alguns mitos gnósticos, Sophia, um Éon, desempenha um papel significativo. Ela acidentalmente ou intencionalmente traz a criação do mundo material.

- O Demiurgo: Frequentemente retratado como uma divindade inferior ou uma força ignorante, o Demiurgo é responsável por criar o mundo material e todos os seres físicos dentro dele. No entanto, essa criação é vista como falha, pois o Demiurgo carece de consciência dos reinos espirituais superiores.

- O Mundo Material: Criado pelo Demiurgo, o mundo material é visto como imperfeito, transitório e uma fonte de aprisionamento espiritual. Em muitas tradições gnósticas, há um contraste acentuado entre o reino espiritual e o reino material, sendo este último considerado inerentemente inferior ou até mesmo maligno.

- Humanidade: Dentro do mundo material, os seres humanos são frequentemente retratados como centelhas divinas ou fragmentos da verdadeira essência divina, aprisionados em corpos físicos. O objetivo de muitos ensinamentos gnósticos é despertar essa centelha divina dentro dos seres humanos e permitir que eles transcendam o mundo material e se reunifiquem com o divino.

É importante notar que a cosmologia gnóstica pode variar significativamente entre diferentes seitas e textos gnósticos, e não há uma única perspectiva unificada sobre a ordem da criação dentro do gnosticismo. No entanto, os temas da dualidade, emanação divina e a natureza falha do mundo material são fios comuns em muitos ensinamentos gnósticos.[5]

De acordo com o atual bispo gnóstico Stephan A. Hoeller:

1. Os gnósticos postulam uma unidade espiritual que veio a se dividir numa pluralidade. 
2. O universo foi criado como resultado dessa divisão pré-cósmica. Isto foi feito por um líder possuidor de poderes espirituais inferiores e que frequentemente é assemelhado ao Jeová do Antigo Testamento. 
3. Uma emanação feminina de Deus estava envolvida na criação cósmica (embora num papel mais positivo do que o do líder). 
4. No cosmos, o espaço e o tempo têm um caráter malévolo e podem ser personificados como seres demoníacos que separam o homem de Deus. 
5. Para o homem, o universo é uma vasta prisão. Ele está escravizado tanto pelas leis físicas da natureza como por leis morais, como o código mosaico (Lei de Moisés). 
6. A humanidade pode ser personificada como Adão, que jaz no profundo sono da ignorância, com os seus poderes de autoconsciência espiritual entorpecidos pela materialidade. 
7. Dentro de cada homem natural está um “homem interior”, uma centelha apagada da substância divina. Desde que esta existe em cada homem, temos a possibilidade de nos despertar desse nosso estupor. 
8. O que efetua esse despertamento não é a obediência, nem a fé, nem boas obras, mas o conhecimento. 
9. Antes do despertamento, os homens devem passar por sonhos perturbadores. 
10. O homem não obtém o conhecimento que o desperta desses sonhos por cognição, mas através de experiências de revelação, e este conhecimento não é informação, mas uma modificação do ser sensorial. 
11. O despertamento (i.e., a salvação) de qualquer indivíduo é um evento cósmico. 
12. Desde que o esforço seja para restaurar a inteireza e unidade de Deus, uma rebelião ativa contra a lei moral do Antigo Testamento é exigida de todo homem.[6]

Do ponto de vista da moralidade, as leis (nomeadamente a Lei de Moisés) são entendidas como instrumentos de aprisionamento do Homem, uma vez que o subjuga à prisão do mundo material. Segundo Hoeller: "Se as palavras “ética” ou “moralidade” forem tomadas como significando um sistema de regras, então o gnosticismo é contrário a ambas. Tais sistemas comumente se originaram com o Demiurgo e são dissimuladamente designados para servir aos propósitos dele. Se, por outro lado, a moralidade for considerada como consistindo de uma integridade interior surgida da iluminação da centelha que habita o homem, então, o gnóstico abraçará esta ética existencial, espiritualmente informada, como um ideal."[7] Na prática, este dualismo entre o material e o espiritual, com uma elevada depreciação do primeiro, resultava em dois tipos de comportamento, de acordo com os grupos e as correntes gnósticas. Uns defendiam uma vida de ascetismo, no sentido de se absterem dos prazeres e benefícios da carne. Outros, em menor número, optavam por uma vida mais licenciosa, já que não existia real valor no domínio dos apetites carnais.

As consequências do pecado de Adão são entendidas como sendo a ignorância. É isso que aprisiona o Homem e é dessa condição que ele precisa ser liberto. A libertação desse estado vem "através de uma experiência mística, um evento cósmico que vai acender a centelha adormecida em cada um", mediante o conhecimento (gnose).[8] 

A salvação, portanto, "para os gnósticos não significa uma reconciliação com um Deus irado, através da morte do seu filho, mas uma libertação do estupor induzido pela existência terrena e um despertar pela gnose. Eles não consideram que qualquer tipo de pecado, incluindo o de Adão e Eva, seja poderoso o suficiente para causar a degradação de todo o mundo manifesto. O mundo é falho porque esta é a sua natureza, porém os seres humanos podem se libertar deste confinamento neste mundo falho e da inconsciência que acompanha este confinamento. Jesus veio como mensageiro e libertador, e aqueles que assumem no coração esta mensagem e participam dos seus mistérios são, como o discípulo Tomé, salvos pela gnose."[9] O conhecimento que liberta o homem do aprisionamento da ignorância, neste mundo material e físico, é um conhecimento místico, de mistérios divinos ocultos.

Para o gnosticismo, Jesus não tinha uma natureza divina igual à do Pai (ainda que alguns o considerassem uma manifestação da divindade mais alta), nem admitiam que ele tivesse encarnado verdadeiramente. Afinal, se Cristo era um ser espiritual mais elevado, portador da mensagem de libertação (pelo conhecimento), ele não poderia ter tido um corpo material e físico.[10] Este ensino defendia que Cristo tinha tido um corpo que somente aparentava ser material (o que veio também a ser conhecido como docetismo)[11]. Cristo não é entendido como o único mediador entre Deus e os Homens, mas simplesmente mais um mensageiro libertador, apesar de o verem como o principal. 


Textos bíblicos de combate ao gnosticismo

De acordo com Jean Felipe de Assis[12], com base na compreensão do fenómeno gnóstico do primeiro século, é possível identificar uma série de textos de Paulo que, de forma mais ou menos direta, condenam as doutrinas gnósticas. O quadro a seguir inclui textos de Paulo, de João e de Judas que mostram a preocupação e o combate deste sistema de crenças.


Texto bíblico Ensino gnóstico Ensino bíblico
João 1:14 Jesus não veio em carne Jesus veio em carne
João 14:6 Jesus apresentado não como o único mediador, mas como somente mais um mensageiro Jesus é o único caminho para Deus
João 17:3 Conceito de salvação relacionado com o conhecimento de mistérios ocultos Salvação pelo conhecimento de Deus e Jesus
I Coríntios 1:18-31 Defesa da sabedoria e conhecimentos gnósticos como mais elevados e salvíficos Sabedoria de Deus em contraste com a do mundo, sendo superior
I Coríntios 2:4-8 Sabedoria do mundo - mistérios ocultos Sabedoria de Deus - mistério divino
I Coríntios 2:8; 12:3 Cristologia docética (Cristo tinha um corpo que não era material. Só parecia material.) Cristo foi crucificado e era o Senhor.
I Coríntios 7:1-3 Desligamento asceta do mundo e desvalorização do casamento Valor do casamento
I Coríntios 15:12 Escatologia espiritualizada (negação da ressurreição futura) Afirmação da ressurreição
II Coríntios 11:6 Acusações do conhecimento inferior de Paulo Defesa do seu conhecimento
Colossenses 2:18 Alguns grupos gnósticos defendiam uma elevada hierarquia de "emanações" e seres espirituais Culto só a Deus
Colossenses 2:20-21 Ascetismo (não participar das coisas do mundo) Proibições têm aparência de sabedoria, mas só satisfazem a carne
I Timóteo 1:4;4:7 e II Timóteo 4:4 Referência a "fábulas" e "mitos", como possíveis referências às histórias  cosmológicas gnósticas Rejeição dessas histórias de mitos
I Timóteo 2:5 Jesus era só um mensageiro, entre vários Jesus é o único mediador
I Timóteo 4:3 Rejeição do casamento por resultar na existência de mais seres humanos aprisionados no mundo material, pela ignorância. Rejeição de alguns alimentos, como forma de ascetismo. Multiplicação, através do casamento e usufruto de todo o tipo de alimentos dados por Deus.
I Timóteo 6:20-21 Conhecimento (gnose) Manter a fé e evitar a falsamente chamada ciência (conhecimento)
II Timóteo 2:17-18 Espiritualização da ressurreição ou negação de que iria acontecer no futuro Realidade da ressurreição futura
II Timóteo 3:7 Procura do conhecimento pelo conhecimento Conhecimento é importante para chegar à verdade
I João 1:1-2 Jesus não veio em carne Vimos e tocámos na Palavra da Vida
I João 2:22 Jesus não é o Messias salvador, nem é Deus Jesus é o Messias e negá-lo é negar o Pai
I João 3:4 Pecado associado à condição de ignorância (falta da gnose) Pecado é iniquidade
I João 4:1-6 Jesus não veio em carne Jesus veio em carne
II João 1:7-8 Jesus não veio em carne Jesus veio em carne
Judas 1:4 Negação de Cristo como Soberano Senhor Jesus é Senhor Soberano
Apocalipse 2:24 "Profundezas de Satanás" é uma possível referência aos ensinos místicos e secretos dos gnósticos Rejeição do misticismo e ocultismo

O quadro acima resume os textos bíblicos que, de forma mais evidente, serviram para combater diversos ensinos do gnosticismo ou proto-gnosticismo do primeiro século. Como é evidente, cada um destes textos contem verdade absoluta e universal, em relação à doutrina bíblica e não é pelo facto de terem sido escritos a pensar numa doutrina errada daquela época que os descartamos ou desconsideramos. No entanto, compreender o porquê da sua existência ajuda a clarificar o que estava em causa quando foram escritos e até mesmo o seu próprio sentido.

Será possível existirem outros textos bíblicos que também tenham sido registados para combater o gnosticismo mas, por alguma razão, não nos seja tão evidente que seria essa a sua finalidade inicial? Será possível que alguns desses textos incluam orientações mais voltadas para aspectos da vida prática da igreja e não propriamente para assuntos doutrinários cruciais? Será possível que algumas diretrizes, por exemplo de Paulo, que moldaram a vida da igreja daquela época, se destinassem especificamente a proteger a igreja contra o avanço e entrada do gnosticismo? Para procurar dar resposta a estas questões, precisamos explorar um pouco mais dos ensinos gnósticos. Este exercício deve ser efetuado com a cautela necessária, tendo em especial atenção o facto de que, durante o primeiro século, esta filosofia ainda não estava consolidada, nem tinha uma consistência homogénea e unívoca. Se, por um lado, o estabelecimento do gnosticismo é normalmente aceite como tendo ocorrido no segundo século da era cristã, por outro lado, é certo que as suas raízes já estavam presentes ainda antes de Cristo.


O registo da Criação

Os ensinos gnósticos, não sendo uniformes entre si, relativamente ao registo da criação do Homem, reescrevem o registo de Génesis, contrariando alguns dos seus passos e ensinos e, em alguns casos, invertendo-os por completo. O todo da criação é visto como algo mau, corrompido e com defeitos, tendo sido criado pelo acima referido Demiurgo. No fundo, essa criação é a prisão de ignorância em que o Homem é lançado, apesar de conter uma centelha divina em si mesmo. Eva surge como um ser que ajuda a sair da ignorância, com mais sabedoria do que Adão, na medida em que toma do fruto que lhes abre os olhos (remove a ignorância). No registo da Criação e Queda de acordo com o gnosticismo, até a serpente é vista como a portadora de conhecimento que pode libertar o homem e, ao convencer Eva desse facto, está a contribuir para o seu esclarecimento e obtenção de mais conhecimento. Ou seja, em vez de se referirem a uma "queda", esse momento é descrito como um despertar espiritual[13]. Por exemplo, no Apócrifo de João "o Pai (ou Mãe-Pai), com muita pena de Adão, manda-lhe: “Um auxiliar, a luminosa Epinoia, que provém dele, e é chamada vida (Eva), auxilia na tarefa da inteira criação, (...) restaurando-o pelo seu ser, e ensinando-lhe o caminho para ascender, o caminho do qual ele caiu."[14].

Em alguns textos gnósticos que datam do primeiro século, Eva é descrita como sendo mais poderosa e ativa do que Adão, tendo este um papel passivo. Alguns textos mostram-na como "superior a Adão, precedendo-o, ou dando-lhe vida de alguma forma"[15]. Nestes textos, Eva também é designada como Zoe, significando "Vida", sendo descrita como mensageira ou filha de Sofia. São igualmente aplicados alguns termos gregos a "projeções celestiais" de Eva, como Epinoia (pensamento).

No Apocalipse de Adão (50-150 d.C), Adão diz que Eva lhe "ensinou uma palavra de conhecimento do Deus eterno". No Evangelho de Filipe (180-250 d.C.), é dito que Adão veio à existência através de duas virgens, uma das quais é Espírito e parece ser Eva. No Apócrifo de João (120-180 d.C), Eva é descrita como sendo superior a Adão e como sendo sua professora. Na Hipóstase dos Arcontes (200-300 d.C.) Adão declara que foi Eva quem lhe deu vida, sendo, assim, a "mãe dos viventes". Neste mesmo documento, a serpente é retratada como sendo uma "A Professora", guiada pelo espírito feminino que habita misticamente dentro dela. No texto A Origem do Mundo (270-330 d.C.) Sofia cria um "ser andrógino" (hermafrodita) "cuja mãe os Hebreus chamam de Eva da Vida (Zoe), nomeadamente a instrutora feminina da vida". Neste mesmo texto, Eva é quem manda Adão viver e este declara que Eva lhe deu vida e é a "Mãe dos Viventes".[16]

Apesar da maior parte dos textos gnósticos, nomeadamente os descobertos em 1945, serem do segundo século ou posteriores, importa referir que tal não significa que as ideias neles contidas só tenham surgido nessa altura. De facto, as raízes e os pensamentos gnósticos já circulavam em grande abundância, antes disso, pelo que eram necessariamente do conhecimento dos escritores bíblicos.


Uma cronologia possível

A partir de Apocalipse 2:6, sabemos que existia um grupo herético, em Éfeso, conhecido como os Nicolaítas. Embora não se consiga determinar, ao certo, quais eram os seus ensinos, A primeira carta de Paulo a Timóteo contém algumas pistas (I Timóteo 1:3–7; 2:5, 15; 4:1–4, 7; 6:20) que levaram estudiosos da Bíblia como Irineu, Tertuliano e Eusébio a identificar essa heresia com o que viria a ser cunhado como gnosticismo, que conheciam do segundo e terceiro séculos. Se estas peças do puzzle, de facto, corresponderem ao que parecem corresponder, estaremos perante uma plausível cronologia como a seguinte: 

    1) Paulo apercebeu-se de que os ensinos gnósticos estavam a penetrar na vida de igreja de Éfeso, eventualmente através das mulheres que ensinavam e exerciam autoridade (abusiva) sobre os homens (possível ligação com II Timóteo 3:6-7).

    2) Alertou o líder Timóteo para que tomasse as medidas necessárias, para silenciar esses ensinos heréticos. 

    3) Timóteo foi obediente e implementou as restrições prescritas por Paulo. 

    4) A igreja, aceitou essas instruções e, de facto, abandonou esses ensinos, não permanecendo permeável aos mesmos. 

    5) Algum tempo depois, quando João escreve a carta de Jesus à igreja em Éfeso (Apocalipse 2:1-7), a igreja é elogiada por não tolerar as "obras dos nicolaítas", as quais o próprio João também combatia, como o demonstrou largamente, nos seus escritos.


Eva

Do ponto de vista de uma boa parte dos textos gnóstico, Eva surge primeiro do que Adão, dando-lhe a vida e contribuindo para a sua saída da ignorância aprisionadora em que se encontrava. O momento em que come do fruto não representa uma queda, mas sim um momento de iluminação, de libertação, em que os seus olhos são abertos para um conhecimento (gnose) que não tinham antes. Logo, Eva tem uma natureza e ação quase que salvíficas, apresentando-se com um elevado ascendente sobre Adão. Se compararmos esta visão da Criação com o que Paulo indica em I Timóteo 2:11-15, fica mais claro que, provavelmente, Paulo está a combater esta heresia. Este facto significará que os ensinos gnósticos já teriam entrado na igreja de Éfeso e estavam a contaminá-la. É legítimo assumir que as mulheres da igreja, particularmente as que ensinavam, fizessem uso, pelo menos, de alguma argumentação gnóstica, por exemplo, para assumirem uma posição ascendente sobre os homens (authentein: poder usurpado, autocrático, excessivo ou abusivo - não é de desprezar o facto de que este é o único lugar da Bíblia onde este termo surge).

O quadro seguinte propõe uma possibilidade de clarificação da referência que Paulo faz à ordem da Criação, no contexto das suas proibições e mandamentos dirigidos às mulheres, em Éfeso, conforme expresso em I Timóteo 2:11-15.

Texto bíblico Ensino gnóstico Ensino bíblico
vrs.11 - A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Eva (símbolo de todas as mulheres) foi quem ensinou Adão e teve ascendente sobre ele. Todos devem sujeitar-se mutuamente e ambos, "com toda a sujeição", às Escrituras.
vrs.12a - Não permito, porém, que a mulher ensine, O ascendente de Eva seria um estímulo para as mulheres da igreja propagarem a heresia gnóstica. Sempre que um alegado profeta (homem ou mulher) não fala a verdade divina, não deve continuar essa atividade.
vrs.12b - nem use de autoridade sobre o marido A primazia de Eva sobre Adão deverá ter condicionado a postura autocrática e abusiva (authentein), por parte das mulheres que ensinavam. Num contexto de sujeição mútua, pessoa alguma deve ter ou pode ter autoridade sobre outra (muito menos de forma abusiva).
vrs.12c - mas que esteja em silêncio. Alguns ensinos gnósticos deveriam estar a ser pregados pelas mulheres. Toda e qualquer heresia deve ser descontinuada.
vrs.13 - Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. Uma boa parte dos ensinos gnósticos indicava uma precedência, quer fosse material ou espiritual de Eva, em relação a Adão. A ordem correta da Criação, de acordo com o registo de Génesis é que Adão foi criado antes de Eva.
vrs.14a - E Adão não foi enganado Adão era apresentado como uma vítima da ignorância à qual tinha sido aprisionado, pelo Demiurgo. Adão pecou conscientemente, sem ter sido enganado.
vrs.14b - mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. A mulher trouxe conhecimento e luz para a Humanidade (personificada em Adão), na medida em que os seus olhos foram abertos, para o conhecimento, quando comeram do fruto. A mulher não era portadora de conhecimento ou iluminação, mas foi enganada pela serpente, que a ludibriou e, então, ela caiu em pecado.
vrs.15a - Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, A salvação da mulher e de toda a humanidade depende da aquisição do conhecimento de mistérios ocultos que a libertem da ignorância.
Desvalorização da função reprodutora (pelos motivos atrás referidos).
Dar à luz não é o que a salva (causa), mas sim o ambiente no qual essa salvação vai ocorrer (meio), em virtude da sua condição biológica.
Valorização da função reprodutora.
vrs.15b - se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação. A salvação não depende de fé, nem de comportamentos conformes a um qualquer código de moralidade, muito menos o mosaico. A salvação depende da fé (na pessoa de Cristo), a qual é acompanhada por uma vida transformada e em transformação.

Compreender o que, de facto, estava em causa quando Paulo faz esta referência ajuda-nos a perceber o alcance das suas proibições práticas. Ou seja, embora tudo o que ele afirma seja absolutamente verdade, é legítimo concluir que as implicações práticas desses seus ensinos poderão não ter uma aplicabilidade universal, para todas as igrejas, situações e culturas. Os mandamentos de que as mulheres não ensinassem, mas permanecessem em silêncio aplica-se não de uma forma indiscriminada a todas as mulheres, mas sim de forma universal a todas as pessoas que surjam com ensinos heréticos e que apresentam um ascendente autocrático de poder abusivo sobre os outros. Por outras palavras, do quadro acima, podemos considerar que permanecem como eternos e de aplicação universal os ensinos que se encontram na última coluna.


Conclusão

Num artigo anterior, sobre este texto de Paulo a Timóteo (https://vidaemabundancia.blogspot.com/2013/04/consagracao-feminina-ao-pastorado-i.html), argumento que o contexto religioso pagão, tanto em Éfeso, como de forma até mais intensa em Corinto, condicionou e determinou uma série de proibições de Paulo às mulheres. A forma como decorriam alguns cultos pagãos no primeiro século, com sacerdotisas sagradas, que conduziam as respetivas celebrações como autênticas orgias e outras práticas de cariz sexual, motivou Paulo a recomendar uma série de cautelas à igreja. Estas proibições, no fundo, serviam para proteção das próprias mulheres, das famílias, da igreja e, em última análise, do próprio Evangelho. Na medida em que esses cultos de natureza imoral eram mais intensos e abundantes na cidade de Corinto, do que em Éfeso, tudo indica que, no caso desta última cidade, a compreensão do proto-gnosticismo e das suas influências poderão facultar um melhor cenário para a compreensão das proibições dirigidas à igreja nesta cidade. No entanto, não é também de descartar que ambas as influências (imoralidade religiosa pagã e ensinos gnósticos) tenham concorrido, em conjunto, para as recomendações, proibições e mandamentos paulinos.

O propósito de identificar o que poderá ter presidido à escrita de qualquer texto bíblico não é o de o descartar ou desconsiderar. Em vez disso, pretende-se chegar ao seu cerne, à sua essência, o mais despido quanto possível, da sua roupagem cultural. Só assim, conseguimos apurar o que é, de facto eterno, universal e sempre aplicável. Pelo acima exposto, julgo terem ficado reunidas suficientes evidências para, pelo menos, considerarmos a possibilidade de que as proibições de Paulo às mulheres possam ter sido circunscritas às situações originais e aplicáveis somente a situações semelhantes. Assim, onde e sempre que as circunstâncias não sejam as que serviram de contexto às referidas proibições de ordem prática, não há razão para exigir a sua implementação. Parece-me, assim, legítimo concluir que a referência que Paulo faz à ordem da Criação, em I Timóteo 2:11-15 não resulta numa aplicabilidade universal de qualquer proibição imposta às mulheres. Por esta razão, não me parece legítimo vedar-lhes o ministério de ensino, seja em que contexto ou capacidade for, com base neste texto. Consequentemente, este texto não constitui nem consubstancia qualquer proibição universal contra o exercício do ministério pastoral por parte das mulheres.



Notas:

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Gnosticismo
[2] idem
[3] https://cpaj.mackenzie.br/fileadmin/user_upload/3-Cristianismo-e-gnosticismo-uma-avaliação-de-sia-incompatibilidade-ao-ensejo-da-publicação-do-Evangelho-de-Judas-por-João-Alves-dos-Santos.pdf, p.13
[4] idem, p.14
[5] Resumo gerado pelo ChatGPT, um modelo de linguagem desenvolvido pela OpenAI.
[6] https://cpaj.mackenzie.br/fileadmin/user_upload/3-Cristianismo-e-gnosticismo-uma-avaliação-de-sia-incompatibilidade-ao-ensejo-da-publicação-do-Evangelho-de-Judas-por-João-Alves-dos-Santos.pdf, p.11
[7] idem, p.15
[8] idem, p.16
[9] idem, p.17
[10] idem, p.18
[11] https://formacao.cancaonova.com/igreja/doutrina/o-que-e-o-gnosticismo/
[12] https://impactum-journals.uc.pt/archai/article/view/11302/8276, p.6-7
[13] https://www.pucsp.br/rever/rv1_2008/i_fiorillo.pdf
[15] https://margmowczko.com/adam-and-eve-in-gnostic-literature/
[16] idem
[14] idem

Outras fontes:

https://www.cgg.org/index.cfm/library/verses/id/49/gnosticism-verses.htm
http://www.helenismo.uff.br/sites/default/files/Rodrigo Azevedo - Uma Introdução ao Gnosticismo.pdf

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