Quando
ouvimos falar sobre a obra de Deus somos imediatamente levados a
pensar sobre as coisas que fazemos no âmbito da igreja local: os
cultos dominicais, as reuniões de oração, as iniciativas
evangelísticas, os encontros, obras de beneficência e outros
ministérios da igreja. A realidade é que esta expressão remete-nos
com maior frequência para as coisas que fazemos para
Deus do que para aquilo que o próprio Deus faz.
Mas a obra é dele e não nossa. Jesus disse-o de forma clara em João
5:17, 19: “Meu Pai trabalha até agora, e eu
trabalho também. (…) Em verdade, em verdade vos digo que o Filho
de si mesmo nada pode fazer, senão o que vir o Pai fazer; porque
tudo quanto ele faz, o Filho o faz igualmente.”
Então,
surge a questão: O que é que Deus está a fazer? Podemos afirmar
com segurança que uma grande parte do trabalho de Deus está a ser
realizada na vida das pessoas. Deus trabalha na vida dos que o
conhecem e na vida dos que não o conhecem. Deus está sempre a
trabalhar – em nós, nos que estão ao nosso redor, na vida da
igreja, na vida dos que não têm igreja – para concretizar a sua
vontade. E, quanto a nós, fazer a obra de Deus significa ser
cooperadores com ele, em tudo o que ele já está a fazer.
Envolvermo-nos na obra de Deus exige um elevado nível de compromisso
ou, melhor ainda, um nível crescente de compromisso. Nunca atingimos
um ponto de chegada, mas caminhamos para o aprofundamento do nosso
compromisso com a sua obra. Qualquer coisa menos do que isto é
falhar no propósito de Deus para a nossa vida.
No sexto
capítulo do livro de Neemias, lemos acerca da conclusão da
reconstrução do muro de Jerusalém. Ainda que com estratégias mais
dissimuladas, a oposição continuou, mas Neemias posicionou-se
perante as tentativas de atemorização e distração de acordo com
um admirável compromisso para com a grande obra de Deus. Repare,
logo no versículo 3, como é evidente o seu sentido de prioridades:
“Faço uma grande obra, de modo que não
poderei descer. Por que cessaria esta obra, enquanto eu a deixasse, e
fosse ter convosco?” Ele
conhecia bem o valor, a dimensão e a importância da obra que estava
a realizar e não poderia permitir que nada o distraísse.
Temos este mesmo sentido de prioridade em relação aos assuntos de
Deus? Será que a vontade de Deus e a sua obra é algo que nos é
prioritário? Será que é o que nos consome mais tempo, energia,
atenção e até recursos? Será que é isso que nos entusiasma e
motiva? Será que respiramos e transpiramos a obra de Deus?
O foco de
Neemias na grande obra de Deus permitiu-lhe o discernimento de
escolher bem as suas lutas. É muito comum partirmos atrás de cada
distração ou ameaça, lutando em batalhas supérfluas e estéreis
que nos desviam do propósito de Deus para a nossa vida. Tenhamos
sabedoria em dedicar a nossa concentração, recursos e energia
somente nas lutas que valem a pena ser lutadas!
Sambalate
e Gesem insistiram, enviando quatro vezes o mesmo convite demagógico
a Neemias. A resposta invariável de Neemias permite-nos chegar à
conclusão de que o melhor remédio para a insistência é a
consistência. Neemias mantém-se inabalável no seu propósito e
mostra persistência e estabilidade exemplares. Para ele, não
bastava ter começado uma grande obra. Era necessário levá-la até
ao seu final, sem interrupções. Todos nós, em algum ponto da nossa
vida, já teremos chegado à constatação de que é sempre mais
fácil começar um projeto do que mantê-lo. Ceder ao impulso de
oferecer os nossos préstimos para este ou aquele serviço, no âmbito
da igreja local, é rápido e deixa-nos animados e bem vistos. O
problema surge quando é necessária consistência e perseverança no
cumprimento de uma tarefa, durante meses a fio, suportando o peso da
rotina e enfrentando os obstáculos.
Os
inimigos da obra de Deus usaram outra estratégia para tentar
perturbar Neemias. Desta feita, ameaçaram fazer chegar ao rei persa
a informação de que Neemias pretendia organizar uma rebelião
contra o rei e constituir-se rei em Jerusalém, sendo que já teria
contratado profetas para validarem a sua pretensão. No versículo 8,
Neemias defende-se da intriga, recorrendo a
uma arma tão simples quanto eficaz: a verdade!
Neemias afirma simplesmente, que o que diziam era mentira: “De
tudo o que dizes coisa nenhuma sucedeu; mas tu, do teu coração, o
inventas”. Não há melhor defesa para quem
está comprometido com a obra de Deus, do que a proteção que a
verdade lhe dá. Viver uma vida transparente, honesta, íntegra e
assente na verdade é a base inabalável para prosseguir na obra de
Deus. Com certeza, Neemias sabia que, se essas intrigas chegassem ao
rei, que o conhecia bem, ele saberia que eram mentira. A sua
integridade falaria mais alto. Lembra-nos o texto de Paulo, aos
Romanos, no capítulo 8, versículo 33: “Quem
intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os
justifica”.
Para além
de ter as suas prioridades muito bem definidas e de conduzir a sua
vida em verdade, Neemias revela, nos versículos 9 a 11, outras
virtudes. Não só recorre em oração ao Senhor, para que lhe desse
forças, em mais uma das suas orações-relâmpago – “Agora,
pois, ó Deus, fortalece as minhas mãos”,
como resiste a uma subtil tentação lançada por Semaías. Este
sugere a Neemias que, por causa de uma suposta trama para o matar,
ele deveria esconder-se onde ninguém pensaria que ele pudesse estar.
No interior do templo, onde só os sacerdotes poderiam entrar, os
seus inimigos não o seguiriam e ele ficaria a salvo. Neemias é
assim tentado a quebrar a lei de Deus, sob o pretexto da sua
segurança pessoal. A sua resposta mostra, simultaneamente,
integridade, dependência e coragem:
“Um homem como eu fugiria? E quem há, como
eu, que entre no templo para que viva? De maneira nenhuma entrarei.”
Integridade
porque, mesmo colocando a sua vida em risco, Neemias recusou
desobedecer a lei. Mas, quantas e quantas vezes testemunhamos
situações em que aqueles que deveriam servir na obra de Deus,
aproveitam-se indevidamente dos benefícios da própria obra, para
seu ganho pessoal?
Dependência
porque confiou que o Senhor iria providenciar a proteção de que
necessitava. Não ceder a esta tentação demonstrou que Neemias não
dependia de esquemas e estratégias humanas para a sua proteção,
mas sim da proteção divina.
Coragem
porque, mesmo que a sua própria segurança pessoal estivesse em
causa, ele não fugiria. Continuaria a obra que veio a concluir em 52
dias (versículo 15). Não podemos ficar amedrontados, nem fugir a
cada rugido. Não podemos comprometer a boa conclusão da obra, por
causa do nosso medo. Em vez disso, aquele que tem um elevado nível
de compromisso com a grande obra de Deus, continua-a, corajosamente,
até à sua conclusão, independentemente das tentativas de
intimidação.
Estas
caraterísticas exibidas por Neemias e, com toda a certeza, imitadas
pelo povo que com ele trabalhava, permitiram uma conclusão da
reconstrução do muro de tal forma extraordinária, que todos os
povos ao redor “temeram, e abateram-se muito
em seu próprio conceito, pois perceberam que esta obra [fora
feita] com o auxílio do nosso Deus.”
Neemias não reclama méritos para si, nem para os demais
construtores. Os outros povos perceberam que o que havia sido
realizado não tinha sido por causa da elevada capacidade de
organização, pelos recursos mobilizados ou pelas estratégias de
motivação. Ficou evidente, para todos, que Deus é que tinha
intervindo e realizado a SUA obra. Que esta realidade seja também
evidente nas nossas vidas e nas nossas igrejas!