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Num Domingo qualquer...

Num Domingo qualquer, é possível entrar numa igreja Evangélica e ouvir palavras como as seguintes, logo a seguir ao "prelúdio":

Meus amados irmãos, a Paz do Senhor.

Vamos ficar de pé, em reverência à Palavra do Senhor.

“Alegrei-me quando me disseram: vamos à casa do Senhor.” Assim escrevia o salmista e assim também acontece, hoje, conosco. Estamos felizes por nos encontrarmos, novamente, na Casa do Senhor! Oremos e entremos na Sua santa presença. Depois, louvaremos ao Senhor, com vozes de júbilo e com cânticos de louvor, neste que é o dia do Senhor e, assim, prepararemos os nossos corações para receber a Sua Palavra!


Única regra de fé e prática

Uma das bandeiras das igrejas evangélicas é a defesa de que a Bíblia é a nossa única regra de fé e de prática. Enquanto evangélico, subscrevo, na íntegra esta declaração. Em essência, esta declaração significa que tudo aquilo em que cremos e fazemos deve ser determinado pela Bíblia. Apesar desta não falar sobre todos os temas ou assuntos do nosso dia-a-dia, contém abundantes e claros princípios que podem e devem ser aplicados à nossa vida, em qualquer circunstância e tempo, desde que devidamente contextualizados. Ou seja, a autoridade bíblica deve, de facto, ser a regra pela qual o cristão conduz a sua vida, em todas as suas dimensões.

No entanto, esta declaração encerra em si mesma uma necessidade que me parece que temos ignorado, no que diz respeito à vida das nossas igrejas. Ainda que, no capítulo da fé (aquilo em que cremos), me pareça que algumas igrejas evangélicas fazem, de facto, um esforço consciente por se aproximarem daquilo que é ensinado na Bíblia, no que diz respeito à prática (aquilo que fazemos) nem sempre existe o mesmo rigor, empenho ou esforço. De alguma forma, parece que a prática acaba por ser sacrificada em nome de algumas tendências de acomodação a modelos mais ou menos ritualistas, formalistas e tradicionalistas.

Parece-me que o pequeno texto fictício do início, sobre o que podemos ouvir no início de uma qualquer celebração, numa igreja evangélica atual, dá algumas pistas sobre o que pretendo demonstrar. À primeira vista, tudo o que está ali dito pode parecer biblicamente bem fundamentado e dentro de todos os parâmetros da mais pura canonicidade e ortodoxia teológica. No entanto, se olharmos com mais atenção, somos obrigados a levantar algumas questões.


Reverência

Em primeiro lugar, o convite para ficar de pé em reverência à Palavra do Senhor, levanta algumas questões sobre ritualismo e formalismo. Por exemplo, será que a postura externa é, de facto, um elemento que revela a verdadeira disposição interna? Será que a reverência que Deus pretende, em relação à Sua Palavra, é uma postura física? Se a postura externa é assim tão importante, então, cada vez que lêssemos a Bíblia, deveríamos fazê-lo de pé, mesmo que estivéssemos em casa ou outro lugar qualquer! Ou considera-se que o local em que estamos (instalações onde se reúne a igreja) é mais sagrado e, por isso, exige outro tipo de comportamento? Muitos dirão que sim, mas o Novo Testamento não sustenta essa posição, na medida em que não existem lugares sagrados, a não ser o nosso próprio corpo (I Coríntios 6:19 - "Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?"). Se a postura externa é determinante para a reverência, não deveria o pregador convidar os crentes a ficarem de pé, cada vez que cita ou refere um texto bíblico? Se é certo que, em alguns momentos do registo bíblico, encontramos pessoas que ficaram em pé para ouvirem a leitura bíblia (ex: tempo de Esdras), não existe qualquer instrução no sentido de ser necessário esse ritual, cada vez que a mesma é lida, quer seja em público, quer seja em privado.

Se é verdade que, em alguma medida, certos rituais e posturas externas podem evocar um determinado sentido ou sentimento, julgo tratar-se de um lapso pouco inocente fazer reverter os papéis e dizer que uma determinada postura física corresponde a uma atitude de reverência. Em vez disso, encontramos amplo conteúdo bíblico que deixa completamente claro que a reverência que Deus espera de nós, em relação à Sua palavra, não é uma determinada postura externa, mas uma genuína disposição interior, sempre acompanhada do elemento da obediência! Como encontramos em I Samuel 16:7 “O Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração”, João 14:15 “Se vocês me amam, obedecerão aos meus mandamentos.”, Lucas 6:46 “Por que vocês me chamam 'Senhor, Senhor' e não fazem o que eu digo?” e muitos outros.

Se a disposição interior é tal que nos move a ficarmos de pé, de joelhos, prostrados, etc, isso já é outra coisa completamente diferente. O convite e a ênfase não devem estar no exterior (aparência, formal, ritual), mas sim no interior (essência). Não ensinar, nem clarificar isto é alimentar um ritualismo camuflante e um formalismo hipócrita, que só servem para criar a ilusão de reverência e anestesiar a consciência culpada pela mais ou menos crónica desobediência à Palavra.


Antigo Testamento

Em segundo lugar, a citação que é feita do Salmo 122, em conjunto com uma série de outras citações do Antigo Testamento, tem que ser proferida com muito mais critério do que o exemplo acima. A realidade do Antigo Testamento é muito diferente da do Novo Testamento, na qual vivemos atualmente. No Antigo Testamento, existia um sistema sacerdotal, sacrificial e procedimental que não encontra sequer paralelo no Novo Testamento. Não encontra paralelo, porque aquilo para o que esse sistema antigo apontava já foi concretizado e plenamente revelado em Jesus Cristo (vide carta aos Hebreus). Por isso, apesar dos Salmos e outros textos do Antigo Testamento serem de uma riqueza enorme e com imensas dimensões de aplicação para os nossos tempos, além de serem dotados de rara beleza (particularmente os texto poéticos), é necessário termos o cuidado de os contextualizar, para não induzir em erro.

O texto referido no exemplo acima, “alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa do Senhor.” é um destes casos. Apesar de ser um texto que evoca uma dinâmica de alegria por participarmos na celebração congregacional, não tem uma aplicação direta nos tempos do Novo Testamento. De acordo com textos como I Timóteo 3:15 “Mas, se tardar, para que saibas como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade.”, I Coríntios 3:16 “Vocês não sabem que são santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês?”, e Efésios 2:22 “Nele vocês também estão sendo edificados juntos, para se tornarem morada de Deus por seu Espírito.” o apóstolo Paulo deixa claro que, no contexto do Novo Testamento, nós já não vamos à casa do Senhor, nós somos a casa do Senhor! Não nos alegramos por ir, alegramo-nos por ser!

Fazer um uso inapropriado de textos do Antigo Testamento, sem a devida contextualização ou explicação, alimenta uma mentalidade enraizada numa dinâmica religiosa e espiritual completamente ultrapassada pela revelação da nova vivência espiritual do Novo Testamento. No fundo, é obrigar a que continuemos a alimentar-nos dos rudimentos antigos e que já não se encontram sequer em vigor.


A Casa do Senhor

Em terceiro lugar, sendo feita referência à Casa do Senhor (ou "casa de Deus"), importa também refletir sobre este aspeto em particular. Pelos textos referidos no ponto acima, espero que não restem dúvidas de que o edifício em que a igreja se reúne não é a "casa de Deus" (Atos 17:24 – “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor dos céus e da terra e não habita em santuários feitos por mãos humanas.”). Os crentes é que são a casa de Deus, o local onde Ele habita!

Existe uma cultura extremamente arraigada em algumas mentes que insiste em fornecer combustível ao conceito do edifício da igreja como sendo a Casa do Senhor. Talvez para lhe conferir uma dimensão mais santa e sagrada, incutindo mais “reverência” e “respeito” na congregação. A realidade é que os efeitos dessa linha teológica resultam numa compreensão dualista dos espaços e contextos da vida: existem os lugares “religiosos, santos e sagrados” (como a Casa do Senhor) e existem todos os outros lugares “normais”. Assim, a linguagem, postura, roupa, comportamento e até pensamentos, têm que ser diferentes, de acordo com cada um destes dois tipos de lugares. Há conversas que não posso ter na "Casa do Senhor". Mas, em minha casa, posso tê-las à vontade. Há pensamentos que não são próprios na "Casa do Senhor". Mas, lá fora, não há problema. Há roupas que não posso levar para a "Casa do Senhor". Mas, para outros lugares, não há problema. O que esta linha de pensamento origina é uma esquizofrenia espiritual: sou duas pessoas (“duplo ânimo” - Tiago 4:8). 

Não significa que não existem códigos sociais, para roupa, linguagem e comportamento, que precisamos respeitar. Como é evidente, não vamos trabalhar de fato-de-banho (a menos que sejamos nadadores-salvadores), nem falamos com os nossos filhos pequenos com a mesma linguagem como falamos com um agente de autoridade. Mas, no que toca à nossa vivência espiritual, a cultura que sacraliza (somente) alguns lugares abre fendas na coerência individual e promove uma crescente desintegração entre a fé e a vida do dia-a-dia. Tudo isto já para nem falar nos diversos "níveis" de sacralidade que determinados lugares dentro das instalações da igreja assumem (exemplo: palco, púlpito) e na atmosfera opressiva e repressiva que se gera no "santuário", sob as ameaças veladas de Deus mandar raios e coriscos, ao bom jeito do Antigo Testamento.


A presença de Deus

Em quarto lugar, refiro uma tendência que se liga com os dois últimos pontos acima discutidos e que levanta também uma série de questões: "entrar na presença de Deus", quer seja pela oração, pelo louvor ou simplesmente pelo facto de estarmos reunidos na tal “Casa do Senhor”. Na cultura do Antigo Testamento, as pessoas entravam e saíam da presença de Deus, nomeadamente quando iam ao Tabernáculo/Templo, participar de algum ato de adoração. Esse local era, de facto, o símbolo visível e material da presença de Deus, em especial o Santo dos Santos. Ou seja, em bom rigor, entrava na tal "presença Deus", o Sumo-Sacerdote, uma vez por ano, para fazer expiação pelos pecados do povo. Mas, para além deste símbolo físico da presença de Deus, percebe-se que existia um sentido temporário ou ocasional de se estar na presença de Deus. David pede o seguinte a Deus: “Não me afastes da tua presença, nem tires de mim teu Santo Espírito!” - Salmo 51:11. Lembremo-nos, no entanto, que este era o cenário do Antigo Testamento.

No Novo Testamento, Jesus prometeu que estaria sempre connosco “e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” - Mateus 28:20. Além disso, a promessa da vinda do Espírito Santo também já foi concretizada (Atos 2) e aplica-se a cada crente, a partir do momento em que ele crê: “Em quem também confiastes, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa.” – Efésios 1:13. Ora, se o Espírito está em nós e Jesus está connosco todos os dias, como é que funcionaria esse conceito de “entrar na presença de Deus”? Do ponto de vista do Novo Testamento, só entramos na presença de Deus uma única vez, na nossa vida: quando nos arrependemos dos nossos pecados e cremos n’Ele como nosso Senhor e Salvador! A partir desse momento, passamos a viver na sua presença, sempre, em todos os lugares, em todos os dias, em todas as circunstâncias! Ou seja, não entramos na presença dele, nem quando oramos, nem quando louvamos, nem quando vamos à “sua casa”. Vivemos constantemente na sua presença! Caso assim não fosse e em algum destes momentos entrássemos na Sua presença, ficaria a questão: Então, na presença de quem estivemos até àquele momento? E na presença de quem ficaríamos quando saíssemos desse lugar ou terminássemos esse momento?

Usar o conceito de "entrar na presença de Deus", desta forma, depois do derramamento do Espírito Santo (Atos 2), é perpetuar uma vivência esquizofrénica da fé, na medida em que separa os momentos/lugares sagrados, dos momentos/lugares "normais" ou seculares. Este tipo de dualismo não tem respaldo no contexto do Novo Testamento e quem o cultiva anula muito daquilo que o Evangelho de Cristo veio trazer, nomeadamente a completa integração da fé em todas as dimensões da vida. 


O Dia do Senhor

Em quinto lugar, uma das expressões mais comuns, nas nossas igrejas é a do "Dia do Senhor", em referência ao Domingo. Será que esta expressão tem suporte bíblico? Os que advogam uma permanência ou persistência, até hoje, de alguns ensinos do Antigo Testamento, dirão que não, uma vez que defendem que o dia do Senhor é o Sábado. Os que defendem a descontinuidade de algumas orientações do Antigo Testamento, em virtude da obra de Cristo, argumentarão que Jesus realizou milagres ao Sábado, para colidir com o legalismo que se havia criado em volta da observância desse dia e ressuscitou num Domingo, pelo que, agora o Dia do Senhor é o Domingo.

No entanto, quando vemos o registo bíblico (“A Bíblia é a nossa única regra de fé e prática”, lembram-se?) percebemos que, no Novo Testamento a expressão “Dia do Senhor” nunca se refere a nenhum dia da semana. Em todas as referências, exceto uma, refere-se ao dia em que Jesus irá voltar. O único local onde surge esta expressão, sem ser em referência explícita ao dia do regresso de Jesus é em Apocalipse 1:10 “Eu fui arrebatado no Espírito no dia do Senhor.” Ainda assim, nem mesmo nesta ocasião, se refere que se tratava de um Domingo ou sequer do primeiro dia da semana. Por isso, entre assumir que se tratava de um Domingo ou considerar que João está a fazer uma referência aos vislumbres que teve daquele que viria a ser o dia do regresso de Jesus, por coerência com as restantes referências bíblicas, julgo ser mais coerente optar pela segunda opção. Ou seja, o Novo Testamento nunca apresenta um dia da semana como sendo o "Dia do Senhor".

Aliás, Paulo deixa clara a inocuidade de considerarmos um ou outro dia como mais importante, em Romanos 14:5 “Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada um esteja inteiramente seguro em seu próprio ânimo.” e, em Gálatas 4:10-11 “Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós, que não haja trabalhado em vão para convosco.”, aponta para a incoerência entre a observância de um dia especial e o conteúdo do Evangelho que havia partilhado com os Gálatas. Então, se não faz diferença e se é assim tão irrelevante, por que não aceitar a expressão do “Dia do Senhor” em relação ao Domingo? Em primeiro lugar, porque a Bíblia não dá suporte a esta designação. Depois, porque as implicações desta linha de pensamento vão ter consequências em tudo semelhantes ao que vimos em relação à “Casa do Senhor”, mas, neste caso, em relação aos dias: o dualismo espiritual dos dias “sagrados” e dos dias “normais”.

Dir-me-ão que o Domingo é um dia muito importante, porque Jesus ressuscitou no primeiro dia da semana, os discípulos iniciais reuniam-se no primeiro dia da semana, Jesus apareceu-lhes no primeiro dia da semana, por mais do que uma vez, e por aí adiante. Em primeiro lugar, nenhum destes elementos constitui mandamento, sequer, para que nos reunamos ao Domingo. Em segundo lugar, se é certo que Jesus ressuscitou num Domingo, não é menos certo que ele morreu numa sexta-feira e esse sim foi o momento em que e nossa salvação foi conquistada (Colossenses 2:13-15 – “A vós, estando mortos pelos vossos delitos e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, tendo-nos perdoado todos os nossos delitos; tendo cancelado o escrito de dívida que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era contrário, removeu-o inteiramente, cravando-o na cruz; e tendo despojado os principados e potestades, os exibiu abertamente, triunfando deles na mesma cruz.”. Portanto, se queremos sacralizar um dia, por causa do que Cristo fez, sacralizemos as sextas-feiras! Em terceiro lugar, se ele está sempre conosco e os efeitos da sua ressurreição estão sempre na nossa vida, celebremo-Lo todos os dias (como, aliás, a igreja primitiva fazia) e reunamo-nos sempre que oportuno, seja em que dia for!


Louvor

Em sexto lugar, uma expressão também muito frequente nas nossas igrejas é o conceito de prepararmos o nosso coração, para recebermos a Palavra do Senhor, normalmente durante o período de louvor, antes do pregador apresentar a mensagem. Aqui também me surgem várias questões. É a isso que fica reduzido o tempo de louvor? A um período de preparação dos corações, para, depois, ouvir a Palavra? Não a poderemos ouvir durante o Louvor? Não a poderemos ouvir antes do Louvor? Será que se pressupõe que os nossos corações estão de tal forma sujeitos à secularização e mundanismo que é preciso uma boa meia hora de louvor, para desintoxicar, acalmar e concentrar atenções em Deus e na Sua Palavra? Será que não devemos estar sempre preparados para ouvir Deus e a Sua Palavra? Se é certo que temos a mente de Cristo (I Coríntios 2:16), se é certo que o Espírito Santo vive em nós (I Coríntios 6:19), se é certo que Deus nos fala através na nossa consciência (Romanos 2:15) e até através da própria natureza (Romanos 1:20), não fará muito mais sentido enfatizar que precisamos investir em corações que estejam sempre (!) preparados e disponíveis para ouvir Deus e a Sua voz?!

Por outro lado, de acordo com a mentalidade de que o louvor é o tempo de preparação dos corações, esse tempo passa a ser subserviente do momento em que vamos ouvir a palavra de Deus. A lógica por detrás desta mentalidade é que ouvir a mensagem da Palavra de Deus é o mais importante que fazemos no momento da celebração dominical. Mas, esta mentalidade enferma de um noção errada. Em bom rigor, ouvir a Palavra de Deus não é mais importante. A Palavra de Deus é o mais importante, porque é a Palavra de Deus! Mas existe uma outra atividade que é tão importante como ouvi-la: praticá-la! Tiago afirma: “Sede praticantes da Palavra e não simplesmente ouvintes, iludindo a vós mesmos.” – Tiago 1:22. Ora, uma das coisas que a palavra de Deus nos manda fazer mais vezes é louvar Deus. Aliás, louvar a Deus é o segundo mandamento mais referido na Bíblia. Se é certo que o nosso louvor não se pode resumir, nem restringir ao momento em que o fazemos em congregação, também é certo que essa é uma oportunidade, por excelência, para o fazermos em conjunto com os nossos irmãos. E se percebermos que, ao louvar em conjunto, estamos a obedecer ao que a Bíblia nos manda, começamos a perceber que esse tempo não é para nos preparar para outra coisa que vai acontecer, mas tem sentido, significado e propósito em si mesmo! O tempo de louvor não é para encher os momentos de silêncio da celebração, não é para esperar pela chegada dos alunos da Escola Bíblica Dominical, não é para manipular as nossas emoções, não é para nos anestesiar, não é para nos entreter, não é para nos preparar para nada! É para engradecer o Senhor Todo-Poderoso, Criador dos Céus e da Terra! Reduzi-lo a outra qualquer coisa é equivalente a desonrar a Bíblia como única regra de fé e prática, sendo esse um dos seus mandamentos mais frequentes.

 

Jargão

Em sétimo lugar, uma referência final ao nosso jargão ou chavões evangélicos. Infelizmente, não é porque citamos a Bíblia e usamos expressões extraídas dela (de uma determinada tradução e versão da Bíblia) que somos, efetivamente, mais bíblicos. O exemplo acima nem chega a conter muitos elementos da nossa “linguagem interna”. Mas, o facto é que não me parece bom sinal quando até a nossa linguagem muda, ao passarmos de um contexto para o outro. Por que nos cumprimentamos de uma determinada forma, quando estamos no contexto da igreja (graça e paz), e nos cumprimentamos de outra forma qualquer quando estamos “lá fora” (bom dia, boa tarde)? Por que sentimos a necessidade de ter uma linguagem própria, como se a igreja fosse algum tipo de sociedade secreta? O facto de usarmos uma linguagem arcaica (que remonta, na melhor das hipóteses, ao tempo em que a versão da Bíblia que usamos foi traduzida), não faz com que seja melhor ou mais santa.

Não me parece que a utilização de expressões que não são de uso corrente ou que não usaríamos no nosso dia-a-dia ajude ou facilite o processo de comunicação do Evangelho, nem contribua para a permeabilidade da congregação a novos membros. Termos como propiciação, justificação, santificação, redenção, gazofilácio, ordenanças, prelúdio, poslúdio e expressões como "graça e paz", a "paz do Senhor", "profissão de fé", "Domingo de ceia", "ministério da reconciliação", "dons do Espírito", "bênção de Moisés", "bênção apostólica" já para não falar em inúmeros termos e expressões dos nossos hinários que nem nós sabemos o que significam, fazem-nos parecer um grupo místico, hermético, com dinâmicas próprias, fechado a novos elementos (a menos que aprendam a nossa linguagem e conceitos) e pouco perceptível para aqueles que dizemos querer alcançar.


Conclusão

Dir-me-ão que sou excessivamente crítico em relação a pormenores de linguagem e expressões que até estão na Bíblia. Uns dirão que, afinal, são só "forças de expressão". Outros defenderão a utilização desta linguagem para estruturar uma dignidade e gravitas adequadas à adoração ao Senhor do Universo.  No entanto, nenhum destes argumentos passa o crivo da autoridade bíblica. Como se viu acima, através de diversos textos bíblicos, esta linguagem traduz e constrói uma concepção do Evangelho que não é suportada pelas páginas do Novo Testamento e acaba, em última análise, por desonrar a própria Bíblia e derrotar o mote de que ela é a nossa única regra de fé e de prática.

Julgo que é urgente estarmos cada vez mais conscientes de que é necessário um espírito crítico em relação a nós próprios e à nossa forma de comunicar e praticar a fé. A forma como comunicamos não é inócua. As nossas palavras expressam atitudes e posturas, ao mesmo tempo que condicionam e induzem atitudes e posturas em outros. Somos responsáveis pelo conteúdo e pela forma do que ensinamos através da nossa comunicação. Até podemos usar muitas expressões "bíblicas", mas de tal forma que não as usamos de forma realmente bíblica. 

Ser crítico é estar em constante alerta e vigilância, para detectar e procurar eliminar o erro. Entre as nossas igrejas, nunca teremos suficientes pessoas com essa preocupação. Neste sentido, lembro o texto de Paulo aos Tessalonicenses 5:21 – “Examinai tudo. Retende o bem.” Tudo pode e deve ser testado, examinado, avaliado, criticado, julgado. A verdade subsistirá. O resto não interessa.

Comentários

  1. Josias Prudente Pereira2/10/24 9:48 da manhã

    Ola !
    Gostei de suas expressões sobre os pontos que devemos olhar com muita atenção.
    A única coisa que fiquei em dúvida ,foi onde você mensiona que a bíblia não é a única base de fé.
    Onde podemos encontrar outras base de fé?

    ResponderEliminar
  2. Josias Prudente Pereira2/10/24 9:50 da manhã

    Gostei de suas criticar construtivas
    fiquei em dúvida sobre onde encontrar outras regras de fé.

    ResponderEliminar

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