A culpa não é minha!



Já reparou na forma hábil e engenhosa como diluímos o conceito de pecado, particularmente, no que respeita à nossa própria vida? Para começar, não o consideramos assim tão grave, e isto quando admitimos sequer a sua existência; usamos eufemismos como “deslize”, “falha”, “questão de personalidade”, e outros igualmente inventivos, para amenizar a nossa consciência; olhamos à nossa volta e concluímos que não somos assim tão pecadores, já que existem outros bem piores; racionalizamos os nossos “deslizes”, normalmente transferindo a responsabilidade para pessoas e circunstâncias que nos obrigaram a fazer, dizer e pensar o que não devíamos. Seja como for, a culpa não é nossa! É das circunstâncias, é da sociedade, é dos outros, é da educação que tivemos, é da cultura, é das pressões…

No primeiro capítulo do seu livro, Neemias descreve o estado de prostração em que ficou ao tomar conhecimento detalhado do estado em que se encontrava a cidade de Jerusalém. Não que estivesse iludido acerca da situação. Na verdade, foi a suspeita da desolação que a assolava que o levou a indagar, colocando questões pertinentes e incisivas. Ao procurar respostas, Neemias permitiu-se ser incomodado pelo conhecimento da realidade nua e crua e, então, chora, lamenta, isola-se, jejua e ora. Não para entrar numa espiral depressiva, mas para chegar à conclusão da real causa da destruição em que o povo de Deus se encontrava. A sua reflexão não o levou à conclusão fácil de que a culpa era dos babilónios que haviam cercado e destruído Jerusalém; nem de Nabucodonozor que havia liderado essa destruição; não era dos construtores originais dos muros; não era de algum dos povos vizinhos que teriam lançado um “mau-olhado” para o povo Judeu. A culpa era do próprio povo e do seu pecado!

Não guardámos os teus mandamentos. Portámo-nos com rebeldia absoluta contra Deus. Constituímo-nos devedores, inimigos e criminosos contra Deus. E, por isso, aconteceu o que aconteceu.” Neemias não recusa a sua responsabilidade, mas admite e confessa o pecado. Notemos que ele não diz que uma entidade estranha a si próprio, chamada “povo”, tinha pecado. Ele inclui-se integralmente nesse grupo e, ao fazê-lo, admite e confessa o seu próprio pecado. Na verdade, não há como começar a lidar com a nossa própria miséria, sem este ponto de partida. Aquelas perguntas que receamos fazer por sabermos que a sua resposta nos trará dor e sofrimento, são aquelas que se impõe que façamos. O exercício honesto de introspeção levar-nos-á, como a Neemias, à perceção de que a nossa vida precisa desesperadamente de um recomeço. Quando compreendermos que a nossa vida não é o emprego ou o desemprego, o salário e os impostos, a austeridade e o governo, a casa e o carro, os amigos e a família, as festas e as férias. Que a nossa vida é o que está cá dentro. Aquelas coisas têm o seu lugar próprio, mas esse lugar não é o de substituto para o relacionamento restaurado com Deus, nem como anestésico para a nossa consciência, ao ponto de não sermos capazes de ver a miséria e devastação que o pecado causa. Quando nos permitirmos o incómodo das perguntas realmente importantes, necessariamente reconheceremos que vivemos com medo, com ansiedade, sem segurança, sem paz, agarrados a boias salva-vidas feitas de chumbo, iludidos pela autojustificação religiosa e completamente sem esperança. E, tudo isto, não por culpa das circunstâncias ou dos babilónios dos nossos dias, nem mesmo por culpa de Adão que pecou, mas por causa do nosso pecado pessoal!

Neemias não se fica pela admissão e confissão. Ele lembra as palavras do próprio Deus que acende uma luz de esperança “mas, se vos converterdes…”. Arrependimento é isto. É conversão, mudança e alteração de comportamento, interior e exterior. O verdadeiro arrependimento começa no autoexame, admissão e confissão e traduz-se numa real e efetiva mudança de vida. Se é certo que só Deus pode dar vida a quem não a tem, sendo ele o único Autor e Fonte de toda a vida, também é certo que a decisão pessoal tem um papel crucial no abandono do pecado. Conversão sem mudança de vida não é conversão. Ou é nova vida ou é uma continuação da mesma – velha – vida. Parafraseando uma expressão de Jesus, pelos frutos nos conheceremos a nós próprios.

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