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O dia do Pastor


Todos os anos, de norte a sul, várias igrejas celebram o "Dia do Pastor". Homenageiam e reconhecem os homens que as pastoreiam, agradecendo a Deus pelo seu serviço, exemplo e dedicação à Palavra. Sabemos que não há um mandamento bíblico expresso que sustente a celebração do “Dia do Pastor”, mas existirão bases bíblicas para este tipo de reconhecimento? Ou será que se trata de uma tradição extrabíblica com alguns riscos a considerar?

Para procurar dar resposta a estas questões, nada melhor do que atentar para o texto bíblico. Em primeiro lugar, citamos duas das muitas passagens que deixam claro que devemos ter grande estima e consideração pelos nossos pastores:
  • "E rogamo-vos, irmãos, que reconheçais os que trabalham entre vós e que presidem entre vós no Senhor, e vos admoestam; e que os tenhais em grande estima e amor, por causa da sua obra..." (1 Tessalonicenses 5:12-13);
  • "Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina" (I Timóteo 5:17).
Claramente, a Bíblia legitima o reconhecimento e a manifestação de apreço, pela igreja, àqueles que pastoreiam (sejam eles designados pastores, presbíteros, anciãos ou bispos). Questionamo-nos, então, sobre o porquê deste mandamento, ou seja, porque razão devemos demonstrar o nosso apreço aos nossos pastores? Novamente, voltamo-nos para a Bíblia:
  • "Porque quero que saibais quão grande combate tenho por vós, e pelos que estão em Laodiceia, e por quantos não viram o meu rosto em carne; para que os seus corações sejam consolados, e estejam unidos em amor, e enriquecidos da plenitude da inteligência, para conhecimento do mistério de Deus e Pai, e de Cristo, em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência. E digo isto, para que ninguém vos engane com palavras persuasivas. Porque, ainda que esteja ausente quanto ao corpo, contudo, em espírito estou convosco, regozijando-me e vendo a vossa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo" (Colossenses 2:1-5);
  • "Dou graças ao meu Deus todas as vezes que me lembro de vós, fazendo sempre com alegria oração por vós em todas as minhas súplicas, pela vossa cooperação no evangelho desde o primeiro dia até agora (...) Como tenho por justo sentir isto de vós todos, porque vos retenho em meu coração, pois todos vós fostes participantes da minha graça, tanto nas minhas prisões como na minha defesa e confirmação do evangelho. Porque Deus me é testemunha das saudades que de todos vós tenho, em entranhável afeição de Jesus Cristo. E peço isto: que o vosso amor cresça mais e mais em ciência e em todo o conhecimento, para que aproveis as coisas excelentes, para que sejais sinceros, e sem escândalo algum até ao dia de Cristo; cheios dos frutos de justiça, que são por Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus" (Filipenses 1:3-5, 7-11);
  • "Vós, portanto, amados, sabendo isto de antemão, guardai-vos de que, pelo engano dos homens abomináveis, sejais juntamente arrebatados, e descaiais da vossa firmeza" (Pedro 3:17).
Estes textos, como tantos outros, ilustram vividamente o coração de um pastor, o qual nutre preocupação e cuidado constantes pelas ovelhas e, em favor delas, se dedica fervorosamente à oração. Coloca-se, agora, uma terceira questão: como demonstrar o nosso apreço pelo trabalho daqueles que pastoreiam fielmente a igreja? Mais uma vez, vejamos o que a Bíblica ensina.
  • "Perseverai em oração, velando nela com ação de graças; orando também juntamente por nós, para que Deus nos abra a porta da palavra, a fim de falarmos do mistério de Cristo, pelo qual estou também preso; para que o manifeste, como me convém falar" (Colossenses 4:2-4);
  • "Orai por nós, porque confiamos que temos boa consciência, como aqueles que em tudo querem portar-se honestamente. E rogo-vos com instância que assim o façais, para que eu mais depressa vos seja restituído" (Hebreus 13:18-19);
  • "Lembrai-vos dos vossos pastores, que vos falaram a palavra de Deus, a fé dos quais imitai, atentando para a sua maneira de viver" (Hebreus 13:7);
  • "Porque muito me alegrei quando os irmãos vieram, e testificaram da tua verdade, como tu andas na verdade. Não tenho maior gozo do que este, o de ouvir que os meus filhos andam na verdade" (João 1:3-4);
  • "Obedecei a vossos pastores, e sujeitai-vos a eles; porque velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta delas; para que o façam com alegria e não gemendo, porque isso não vos seria útil" (Hebreus 13:17);
  • "Porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E: Digno é o obreiro do seu salário" (I Timóteo 5:18).
As escrituras apontam-nos, então, para um tipo de apreciação e reconhecimento que não é coerente com a ideia de uma homenagem pontual ou celebração de um dia especial. Mais que isso, remetem-nos para o desenvolvimento de atitudes. São estas orar pelos nossos pastores, imitar-lhes a fé, seguir-lhes o exemplo, proclamar a verdade, viver na verdade, obedecer ao ensino da Palavra de Deus e providenciar o necessário e devido sustento. Este tipo de reconhecimento pressupõe intencionalidade, empenho e constância de cada um e de todos os membros da igreja, pelo que jamais poderá ser reduzido à celebração de um dia especial.

Verificando-se, assim, que o "Dia do Pastor" não está alinhado com a intenção de Deus expressa na sua Palavra, quais são os riscos para a igreja/denominação cuja cultura eclesiástica sustenta e promove tal celebração?

Amenização da consciência. A celebração de um dia especial do pastor pode traduzir uma tentativa, mais ou menos consciente, de compensar o que não se faz durante os restantes 364 dias do ano. Contudo, nenhum poema, jogral, cântico ou gravata - por mais bonitos e bem intencionados que sejam - poderão substituir a oração, a lealdade, a verdade, a obediência e o sustento contínuos.

Mentira. Nem tudo o que é dito no “Dia do Pastor” é verdade. A bela descrição do pastor no guião pode não corresponder à pessoa, de facto, que pastoreia a igreja. O participante na homenagem, a bem do momento, pode condescender à expressão de sentimentos e palavras que, sendo bonitas e comoventes, não correspondem infalivelmente à realidade. Na verdade, o pastor é um homem que luta contra a sua velha natureza, vivendo numa batalha espiritual constante em busca da maturidade espiritual e santificação.

Injustiça. O texto de Romanos 13:7 exorta-nos a dar honra a quem a merece ("Portanto, dai a cada um o que deveis: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra"). Ora, se considerarmos apropriada a celebração de um dia especial para o pastor o que dizer de todas as outras pessoas que ministram no seio da igreja? Não serão também elas merecedoras de reconhecimento e honra atendendo a que, frequentemente, exercem ministérios de grande responsabilidade em acumulação com atividades profissionais também exigentes? Porque não celebrar o dia do diácono, o dia do membro da equipa ministerial, o dia do professor da EBD, o dia do responsável pelas limpezas, o dia do rececionista, o dia do líder de louvor, etc?

Vaidade e orgulho. Este é um perigo muito real. O pastor que recebe elogios e louvores num pomposo tributo torna-se suscetível à tentação de acreditar que, afinal, é mesmo especial e que lhe vale, não somente a graça de Deus, mas o seu empenho, a sua capacidade de aconselhar, os seus dotes de oratória, a sua personalidade, etc. O problema agrava-se quando é o próprio a sentir a necessidade de lembrar os irmãos que está quase a chegar o dia do pastor, garantindo a insuflação anual do seu ego. Não há qualquer necessidade nem utilidade em um pastor colocar-se a si próprio e ao seu rebanho nesta situação.

Hierarquização. Começa com a cadeira com uma decoração especial e colocada num lugar especial. Depois continua com toda uma sucessão de textos, músicas, imagens e apresentações que, muitas vezes, mais não fazem do que colocar o pastor num pedestal. A grande tragédia desta tendência (que, infelizmente, não se resume à celebração do dia do pastor) é que a função pastoral passa a ser percebida e exercida como se fosse uma posição. Nunca é demais lembrar a clareza com que Jesus se referiu a este problema: "…bem sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados, e que os grandes exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós; mas todo aquele que quiser entre vós fazer-se grande seja vosso serviçal" (Mateus 20:25-26).

Idolatria. De todos os efeitos perversos da celebração do dia do pastor, este é, provavelmente, o mais grave. A perceção distorcida do ministério pastoral facilmente pode descambar na mais absurda, mas real, forma de idolatria manifestada por gestos, palavras e atitudes de adulação e lisonja. O pastor, em vez de ser visto como um servo, no mesmo nível que toda a igreja ("cada um considere os outros superiores a si mesmo", Filipenses 2:3), por quem devemos orar e cujo exemplo de verdade e integridade devemos seguir, passa a ser visto como uma espécie de pescoço do corpo de Cristo, como se do representante de Cristo se tratasse.

Estes e outros, certamente, são perigos reais deste tipo de celebração. Melhor faremos se nos cingirmos às formas de demonstração de apreço que se encontram inscritas nas sagradas Escrituras, do que permitir que uma tradição extrabíblica contribua para a deturpação da perceção do ministério pastoral e, quem sabe, do próprio ministério em si.

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